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De volta <<< para o futuro >>>

Uma viagem pelo mundo da tradução

Está chegando o Dia Internacional da Tradução, comemorado em 30 de setembro, data de falecimento de São Jerônimo, santo padroeiro dos tradutores e intelectual que realizou a tradução da Bíblia para o latim no século V. Na tentativa despertar o interesse dos leitores em geral, não mostrarei como traduzir é complexo, mas sim por que a tradução é útil e importante para o passado, o presente e o futuro da humanidade. Para isso, faremos uma rápida viagem de volta para o futuro. Aperte os cintos e vamos lá!

PASSADO: a era dos objetos sagrados

Estamos no ano de 828, em Veneza. Dois mercadores chegam esbaforidos com um cadáver e o mostram para Marty McFly. Seu companheiro de viagem, o tradutor, informa que não se trata de um corpo qualquer, e sim de São Marcos, o Evangelista. Seus restos mortais foram roubados do túmulo em Alexandria com a ajuda de guardas cristãos. A prática do translatio, ou a remoção de objetos santos de uma localidade para outra, não era incomum na Idade Média.

Veneza, assim como muitas outras cidades, deve seu prestígio à presença simbólica de imperadores e santos após a morte. O relicário carregava a miraculosa aura da Origem, da Verdade, confirmada por histórias de intervenção divina para permitir que a “translação” tivesse efeito. Apesar de economizar o tempo de peregrinação dos fiéis, a translação dos restos mortais não diminuía a distância do observador em relação ao sagrado. Quanto mais perto da relíquia, mais ele sabia estar longe de sua Essência.

A tradução textual foi percebida de maneira análoga desde São Jerônimo até a modernidade, como se houvesse um significado “imanente” ao texto sagrado, o "original". Para que o leigo pudesse compreender a "verdadeira significação" da palavra divina, a intermediação ficava a cargo de um sábio ou sacerdote.

Mesmo assim, São Jerônimo precisava fazer defesas mordazes contra acusações de infidelidade e perversão do original em sua obra de tradução. Para isso, invocava até mesmo profetas e evangelistas, demonstrando como estes também fugiram à literalidade para transmitir suas mensagens. Esse caráter exegético ainda autoriza que, diante de diferentes propostas de interpretação do mesmo texto, uma seja eleita como "correta" e as demais como "erradas" ou "não autorizadas".

PRESENTE: a era dos objetos informativos e estéticos

 

Estamos em 1971, nos EUA. Ted Hoff apresenta orgulhosamente na Intel uma espécie de caixinha que viria a ser conhecida como microprocessador – e dispara a grande revolução da TI. Marty McFly e o tradutor aplaudem efusivamente, pois sabem que isso levou ao uso generalizado de PCs e da Internet nos celulares nos dias atuais.

 

Nosso mundo é digital, e a economia é global e informacional. Em outras palavras, é uma economia com a capacidade de trabalhar como uma unidade, em tempo real, em escala planetária, retroalimentada pelo conhecimento como recurso principal de produtividade e poder. Estamos em uma era de grande circulação de riquezas, imagens e intensa busca por identidade e sentido. Uma era de conexão em rede e, ao mesmo tempo, individualidade. Do movimento transnacional chamado globalização e da resistência das minorias chamada antiglobalização. E a tradução, que não se presta a reducionismos simplistas do tipo ser contra ou a favor da modernização, da diversidade ou da homogeneização, é justamente o que nos permite pensar nesse mundo em toda a sua complexidade.

 

Nessa era pós-fordista, os objetos não são admirados apenas pelo seu valor material, mas pela sua carga informativa e estética que agrega valor e conteúdo ao que é comprado. Da música ao cinema, de vídeos a sites, de programas de software a carros automatizados, há design e informação para dar e vender. Por isso, também, estamos na era dos gordos orçamentos para produção e tradução de publicidade, conteúdo para a Web e e-commerce. Não há mais uma divisão clara entre textos técnicos e material de marketing, logo, os textos estão cada vez mais complexos e criativos. Agora já se entende que a tradução é um ato de interpretação subjetivo que, portanto, agrega novas matizes de significação. Fora isso, os usuários da Web geram cada vez mais conteúdo que precisa ser traduzido prontamente. O nicho de localização, que adapta produtos digitais a um locale, teve um mercado de 20 bilhões de dólares em 2004, e o número de tradutores de meio período e tempo integral no mundo provavelmente já ultrapassa 400 mil.

FUTURO: a era da explosão da informação e da automação

 

Estamos em 2030, no Brasil. Os seres humanos já não dão conta de traduzir volumes de informação cada vez maiores em todas as partes do globo. Assim, recorrem cada vez mais à tradução de máquina, a qual mais avançada com a tecnologia de redes neurais. Os tradutores também assumem novos papéis, como transcriadores (para recriar textos publicitários), criadores de conteúdo/copywriters, consultores culturais (para orientar os clientes sobre as motivações e os comportamentos do seu público-alvo), pré-editores e pós-editores de tradução de máquina. McFly vê robôs, assistentes e várias ferramentas que surgem para auxiliá-lo sempre que vai a uma loja ou compra um novo produto, aumentando a velocidade e a automação dos processos.

 

Terminada a viagem, McFly volta ao passado para admirar o túmulo de São Marcos. Percebe que o monumento liga o passado (de quem se foi) ao presente (de quem o contempla) e ao futuro (de quem não estará mais lá para vê-lo posteriormente). A presença diante desse objeto o mostrou que sua existência é transindividual (transcende o indivíduo) e que somos um porque somos com muitos. Finalmente, ele entendeu o papel do tradutor, seu companheiro de viagem. Sentiu-se um cidadão do mundo! E sempre se lembrará da importância do colega quando lhe faltarem palavras para descrever as mil e uma surpresas que a viagem ao pós-futuro lhe reserva...

Até a próxima!

Maíra Monteiro