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O início, o fim e o e-mail.

Impressões sobre o IX Congresso da ABRATES

Início: o princípio de alguma coisa, geralmente com expectativa de continuidade; inauguração, estreia, fundação. (Houaiss, 2009)

Tive o prazer de participar do IX Congresso da Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes em junho de 2018, com esta vista aprazível da Praia de Copacabana. Dei início aos trabalhos na Oficina de Tradução de Diálogos e depois fui lanchar com dois colegas que conheci naquele dia. Apesar de terem experiência profissional, estavam ali pela primeira vez. No fim do segundo dia de congresso, fiquei curiosa e perguntei se haviam encontrado o que estavam buscando. Eles disseram que sim, muito além do esperado.

A Gabrielle Montenário conheceu pessoas maravilhosas que vai levar para o futuro e professores com quem pretende aprender. Para ela, o ponto forte foram as palestras de interpretação. Mencionou como ponto principal do dia a fala de Maria Paula Bulhões: “a questão de se ter orgulho do que faz e ter uma autoestima bem elevada, afinal, nossa profissão salva vidas”. Já o Pedro Barreto encontrou “novos campos de pesquisa, novas ideias para desenvolver, novas perspectivas de mercado, de trabalho” e achou fascinante ter a experiência de cabine pela primeira vez. Seu relato foi bem interessante: “Eu nunca estudei pra isso e, de repente, me vi lá, fazendo. Me joguei em águas profundas, mas foi bom. E o legal é que eu estava pensando em desistir, e as pessoas me falaram ‘não desiste, é uma experiência, tem que tentar’. Aí, quando fui, fiquei confortável, me senti motivado”.

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Olhos brilhando. É assim para todos os que chegam ao congresso pela primeira ou enésima vez. Da esquerda para a direita: Bruna, Gabi, Pedro, eu e Ana Lúcia.

Também pudemos refletir sobre o que ainda requer melhorias, não só no nosso campo de trabalho como na sociedade. Esse toque nos foi dado nas palestras de abertura de Petê Rissatti e Rane Souza sobre preconceitos em geral, racismo institucional e possíveis compromissos para fomentar a inclusão de negros nos mercados de tradução e interpretação. A mensagem essencial foi de empatia e respeito pelo outro, o que nós, tradutores, deveríamos ter ex officio – afinal, facilitamos a comunicação entre diferentes e precisamos entendê-los muito bem para ser fiéis a suas palavras. De qualquer forma, para garantir a sobrevivência da própria diversidade, sempre será necessário lutar contra um sistema violento, que privilegia determinadas línguas, etnias, origens geográficas, gêneros e religiões em detrimento de outros.

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Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas.

Fim: conjunto dos últimos ou o último elemento de (obra, discurso etc.); epílogo, conclusão. (Houaiss, 2009)

Não tomem como fim a acepção de ponto final ou término, mas sim do gran finale de um espetáculo bem pensado. Encerramos o congresso com a professora Marianne Stump fazendo uma inesquecível palestra em LIBRAS, a Língua Brasileira de Sinais. E a plateia contou com a interpretação em português com retour para inglês. Para mim, que estudei interpretação de conferência, essa foi a primeira experiência de uso real do serviço do lado de fora da cabine. Fiquei contente por conseguir entendê-la e maravilhada com a interpretação dos colegas, que transformaram sua profusão de gestos em um discurso afiado e, muitas vezes, bem-humorado.

Infelizmente, a pessoa surda no Brasil, em seu cotidiano, nem sempre tem o mesmo privilégio que eu tive: entender e ser entendida nos serviços que usa. Ainda não há sequer intérpretes de LIBRAS em número suficiente para atender à demanda. Porém, muito já foi conquistado em termos de legislação e educação no país, até mesmo com a inclusão das videoprovas do ENEM em LIBRAS, realizadas junto à Universidade Federal de Santa Catarina. Assim como os tradutores e intérpretes negros, o papel dos tradutores e intérpretes surdos é vencer resistências. E a inclusão de intérpretes de línguas de sinais em um evento desse porte demonstrou a importância do trabalho desses profissionais para os que mais devem apoiá-los: seus colegas de profissão.

O evento terminou, mas a mensagem inicial do William Cassemiro, ex-presidente da ABRATES, ressoou por todos os cantos: respeito e empatia para com os que chegam pela primeira vez. E isso ocorreu de várias formas: pessoalmente, em grupos de WhatsApp, em conversas nos intervalos. Tudo isso me fez lembrar por que fiquei tão maravilhada ao entrar para a associação. Ali encontrei esse ecossistema de pessoas e inter-relações que me inspiram a dar continuidade ao meu trabalho e melhorar sempre.

Aqueles que não estão iniciando na carreira podem estar se reiventando, buscando novas áreas, investindo em novos projetos, desenvolvendo sua autoestima profissional. Eu mesma estava feliz por ter atualizado meu cartão de visita com e-mail profissional e logotipo próprio. A ideia da marca resultou em um balão de fala que remete a um ícone muito comum aos websites do setor de localização, enquanto a seta é o símbolo padrão que direciona processos e pessoas, levando e devolvendo informações, como na tradução e na comunicação. Parece que agora, finalmente, minha identidade profissional ganhou forma no papel. E isso depois de uns aninhos de experiência...

O fato é que não existe hora certa para começar algo que se deseja. Início, meio e fim são cíclicos. Nosso trabalho exterior e interior são contínuos, e nos cabe aproveitar a viagem, encarar os desafios. O importante é significar e ressignificar o que fazemos de maneiras compatíveis com nossas aspirações verdadeiras. Finalizo, portanto, com uma frase emprestada da palestra do Marcelo Neves (O Jogo Interior: Coaching e Autocoaching para Intérpretes), que resume bem a noção de propósito e a amplitude da nossa profissão:

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PS: Para quem pescou, o título foi sim uma alusão a "Eu sou o início, o fim e o meio" da letra de Gita, de Raul Seixas.

Meu antigo blog, Sociedade Alternativa de Tradutores, já trazia questionamentos sobre nossa profissão.

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